Friday, December 24, 2004

Tempo de Esperança!

O que é o Natal? Quando eu era pequena nem ligava Natal a Jesus Cristo, claro que sabia que era a data de seu nascimento, mas dava importância mesmo era aos presentes que recebia e que sabia que não vinham do Papai Noel e sim de meus pais. Sempre fui de certa forma cética, mas acho muito bonita a imagem de Nossa Senhora segurando seu filho, acho lindo o presépio e admiro a fé das pessoas. Gostaria realmente de acreditar, de passar o Natal rezando, de ter a esperança de um mundo melhor.
A verdade é que nem sei porque resolvi escrever esse texto, de certa forma, melancólico. Talvez porque ontem fui distribuir comida na rua e encontrei um morador de rua muito interessante, talvez por saudades de minha avó, talvez por saudades de minha infância/ presentes. Sei que o Natal significava algo pra mim, e hoje acho um dia chato, uma reunião pra se comer e beber sem fundamento religioso, sem amor ao próximo. Queria passar o Natal junto às pessoas que quero ajudar.
Quando era pequena eu adorava passar o Natal em Formiga, era mágico, único, havia muitos presentes, muita comida gostosa, o cheiro da minha avó... doces, meus primos, música, piano, meus pais, minha irmã, cheiro de moranguinho, Barbie, jogos, brincar de cabra cega, sonhos, peteca, piscina, lagoa, bicicleta, sorvete...
Lembro que uma vez, na escola, que um menino me disse que certa vez viu o Papai Noel voando no céu em seu trenó. Eu disse que ele era um idiota, que além de acreditar em Papai Noel ainda inventava mentiras a respeito, que ninguém podia voar num trenó guiado por veadinhos. Eu era chata desde então, com meu raciocínio questionador, meu radar anti-mentiras. A professora quase teve um colapso, o menino chorou, a diretora interviu:
- Claro que o Papai Noel existe! Quem te disse que ele não existe?
- Minha mãe! E ela não mente pra mim, ela disse que não gosta de ver as crianças enganadas achando que ele exista, que isso é uma bobagem! Ela compra os presentes pra mim e coloca na árvore de Natal antes mesmo do dia certo, pra enfeitar. Se duvidar, pergunte a ela...
Estava feita minha fama de chata, inconveniente, questionadora e destruidora de ilusões. Desde então fiz jus ao que diziam de mim, no colégio defendia os mais fracos, em casa ensinava minha mãe, na faculdade odiava todos que eram óbvios, pois achava que nada era mais questionador que estar na faculdade, mentes brilhantes pra raciocinar matematicamente conseguem, na maioria das vezes, ser mais careta que meu avô de 95 anos.
Talvez, se Papai Noel existisse, pediria a ele que tirasse a pessoa que conheci ontem da rua. Que ele conseguisse largar a droga, fazer teatro (que é seu sonho) e fazer sucesso.
Estava eu distribuindo sopa na rua quando me aparece um sujeito bem arrumado e bonito, era negro e alto, e ele nos abordou:
- Boa noite! Como vão? Aqui, se vocês encontrarem por aí uma esmeralda de um milhão e trezentos mil reais vocês devolvem pra mim? É que perdi a minha...
- Claro que devolvo, respondi...
- Devolve mesmo? Tá bom viu! Acredito. Sabe quando eu devolveria? Nunca!
- Mas você deve ser honesto com as pessoas.
- Honestidade? E o que você sabe sobre honestidade? O mundo não foi honesto comigo, não serei honesto...
- Pois eu sou honesta, se não precisei até hoje desse dinheiro, não vou precisar. Talvez você devolvesse e pedisse ao dono da esmeralda um lar, um emprego, uma nova vida.
- Mas com esse dinheiro faria o que quisesse, não precisaria de nada disso, nem de ser honesto.
Não disse mais nada sobre o assunto, não vivi o que ele viveu, não sofri o que ele sofreu... Não condenaria uma pessoa nessas condições, quem sou eu pra fazer isso?
- Você é pagodeiro?
- Não! Ah, por que todo mundo me pergunta isso?
- Porque você parece um deles, hahahaha!
- Você acha isso também? – perguntou pra minha amiga, Bárbara
- Tô fora dessa discussão!
Gerou um certo mal estar, todo mundo achou que ele não gostou, mas nem liguei.
Mudamos a conversa, ele é uma pessoa muito agradável, muito conversadora, mas o desagradável é a tal “buchinha” imersa em tíner, sempre em suas mãos, o cheiro forte e ruim. Perguntei a ele como fora parar na rua, nesse momento uma chuva fraca e contínua caía sobre nossas cabeças:
- Ai, meu São Pedro, não me faça mentir, pelo menos dessa vez... Perdi meus pais muito cedo, aos 12 anos, morava no interior de Minas, e tinha muitos irmãos. Os mais velhos sentiram-se mais donos das coisas que os mais novos e nos deixaram em desvantagem. Cansei daquilo e fugi de casa, vim pra cá e moro na rua desde os 13 anos.
Achei muito estranho, acho que ele não mora na rua, pois a maioria dos moradores de rua são sujos e mal vestidos, ele não tinha uma aparência de sujo, apesar de seu cheiro desagradável, e não estava tão degradado como a maioria deles, parece que ainda tinha uma identidade. Conversamos muito, ele disse a minha amiga que ela era a esmeralda que ele havia perdido. Disse que no dia em que fizesse sucesso ele agradeceria às pessoas que tiraram ele daquele estado, eu, a Bárbara e meu namorado.
- Aqui, se você achar a esmeralda nós iremos atrás de você, tá? - disse
- Aí você quer, né? Espertinha você, hein?
- Você deveria fazer teatro – disse a Bárbara
- Você acha isso mesmo?
- Acho! Claro!
- Eu também acho, mas você tem que largar isso aí. – apontei para a droga
- Ai, eu não queria que vocês vissem isso, me deu vontade de chorar agora, eu não sei, sabe...
- Olha, você é uma pessoa legal, interessante, que tem uma grande chance de um dia sair dessa se quiser. Mas se continuar usando droga vai acabar perdendo sua identidade
- De novo? A minha já é segunda via...
(risos)
- Não estou falando dessa identidade...
- Acabou a comida, vamos embora! – gritou alguém de dentro da Combi.
- Tchau, depois a gente se encontra...
Fomos embora, mas um pedaço do meu coração ficou...

Feliz Natal a todos!

3 comments:

Anonymous said...

Acho muito bonito ajudar as pessoas! Sucesso pra você em 2005! Da sua amiga Andréia

Anonymous said...

Qd era pequena, tudo era festa, td era gostoso. Ver a família, estar com as pessoas que vc ama. Mas a gente cresce e parece que perdemos um pouco do espírito de criança. As coisas ficam mais difíceis, nem sempre podemos ver toda a família. Mas uma coisa é certa: deixemos quem acredita em Papai Noel acreditar neles. Para algumas pessoas, a ilusão as torna + felizes. Eu mesma prefiro ilusão. Estou cansada de dizer. Ngn pode me julgar, se não está dentro de mim e sente o mesmo que eu. Devemos respeitar as pessoas, sempre. É muito triste ver alguém na rua. Meu projeto voluntário sempre foi mais com idosos e dava uma dor no coração. Uma vez tive um amigo...ele era cego. Tinha uns 41 anos, mas com aparência de 70. Não tinha mais condições. Ficou cego por causa do alcoolismo, das drogas. Não sabia que podia acontecer isso, mas parece que pode. E ele queria fumar a todo instante. Ele vivia me pedindo cigarro e eu nunca dava. Então eu vi que ele ficava mt infeliz. Ele perguntava como estava o céu e eu contava pra ele. Ele falava que sentia saudade de poder ver o céu. Ele me perguntava como eu era...se eu era loira, alta. E eu descrevia tudo pra ele. Um dia cheguei com um presente: cigarros. Ele ficou muito feliz e me agradeceu mt. Lembro que pegou na minha mão e falou que eu não sabia a felicidade que tinha lhe dado. No dia seguinte, morreu.

Anonymous said...

Ahh...o comentário quem fez fui eu, Carmen :p