Wednesday, June 13, 2007

O Devagar e o Súbito

O frio lhe doía os dedos ao tocar o piano. A professora sempre adivertiu para que fizesse o aquecimento das mãos e exercícios para a flexibilidade, porém, a necessidade de tocar era tanta, tão desesperada, que não podia perder tempo com aquilo.

Tocava com atenção, muita atenção, nota a nota, não errava uma, nenhuma lhe passava desapercebida. Ao tocar não se lembrava do passado e nem se importava com o futuro. Era apenas a vida, ela e o piano. Nota a nota, não o "do, re, do, re", mas tocava clássicos e mais clássicos, difíceis, aqueles que mexem com a alma, Bethoven, Bach, Mozart.

Não queria e nem poderia pensar naquele momento, mas no fundo sabia que se a morte viesse devagar tudo seria mais fácil. Nem era só a morte física que lhe incomodava, ela também sentia a morte que não parece morte, daquilo que não volta mais. Se tudo morresse devagar, se tudo morresse devagar, seria mais fácil. Entretanto aquela inesperada, aquela súbita, isso matava aos poucos, e era o que ela não queria para si. Que contradição, embora soubesse que morrer devagar doía menos aos outros, sabia que doía mais a si mesma. Seria egoísmo, e por isso não queria pensar naquilo, "morte lenta às coisas e pessoas, morte súbita para mim". Por esse motivo se calava e sentava ao piano, dedilhava, esquecia as pessoas, as coisas e suas mortes.

2 comments:

Don Rodrigone said...

Lindo, Quel. Profundamente simples e belo.

Dani said...

Concordo com o Rodrigone! Difícil até para se comentar. Adorei!
beijo