Nunca conheci alguém tão desgarrado das coisas como meu avô. Ele nunca teve ambição, sonhos, desejos. Se casou, teve três filhos, ficou enfastiado, sumiu no mundo e a família que se virasse sem ele. Mas afortunado como só ele, morreu na companhia de todos os parentes.
- Vou embora hoje!
Ele repetiu essa frase duas vezes ontem. Sabia que ia morrer e que ia ser naquele dia. Quando a morte vem assim, avisada, aos 97 anos de idade, é tão bela, tão bela, talvez mais que um nascimento. É muito fácil sorrir quando alguém nasce, mas pra mim era difícil não sorrir ontem, ele transcendeu! Se iluminou! Como eu não poderia sorrir? Nunca tinha presenciado uma morte assim, de alguém que não tem o mínimo medo de morrer.
Ouvi meu pai dizer que ele descansou. Mas pelo que conheço de meu avô, a última coisa que ele vai querer é descansar, porque ele viveu tão bem cada momento de sua vida que não se cansou, ele era um jovem brincando de envelhecer.
3 comments:
na real... nunca achei ser capaz de ficar velho... por algum motivo sempre achei que morreria antes da hora... mas deve ser perfeito morrer serenamente sem fazer ninguém sofrer horrores... morrer pq assim é a vida e pronto.
gostei desse relato, Quel.
Tem um livro muito bom, chamado O Homem diante da morte, de Philippe Aries, que discute a visão que as pessoas tem da morte ao longo de diversas épocas.
Uma das coisas que ele discute no livro é que perdemos a noção da boa morte: a morte preparada, sem desespero, de alguém que viveu muito e vai transcender tudo isso.
Realmente, foi um privilégio pra ele e todos vocês.
A morte é uma parada que me abala. Simplificar isso é muito importante, mas ainda não consigo.
Que bom que você é capaz de lidar com isso de uma forma positiva. Do jeito que deve ser...
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